terça-feira, 1 de abril de 2008

São Paulo de séculos atrás



Achei um texto interessante que retrata uma São Paulo pouco conhecida dos paulistas, de alguns séculos atrás (mais especificamente dos séculos XVI, XVII e XVIII), publicada na revista "Superinteressante" do mês de abril, baseada principalmente nos relatos do livro da historiadora Maria Luiza Marcílio, chamado "A Cidade de São Paulo: Povoamento e População".

Algumas curiosidades são interessantes, não só sobre a cidade, mas o estado como um todo. Por exemplo, sabe-se através dela que a vestimenta que hoje é tida como característica gaúcha, era primordialmente usada em São Paulo (não necessariamente por paulistas, apesar de não deixar isso explícito). A cidade já vivia uma grande miscigenação anterior a grande imigração européia e asiática do início do último século, principalmente com índios e portugueses. Fala sobre o primeiro governador do estado, na época ainda província sem demarcação exata de fronteiras como as que temos hoje (sabe-se que os, hoje, estados do Paraná e São Paulo, eram um só). Que o famoso colégio fundador da cidade foi demolido e reconstruído séculos depois e que a comida típica eram baseados em farinha, feijão e carne seca.

Fica aí pra registro:

"A maior metrópole brasileira da atualidade tinha, em 1808, pouco mais de 20 mil habitantes, incluindo escravos. Não passava de uma vila pobre cercada por roças de mandioca, milho e frutas como mamão e banana que garantiam a subsistência.

A penúria lançou os paulistas ao papel que coube a eles na colônia: o de viajantes. Sem recursos para comprar escravos africanos, a partir do fim do século 16 eles se embrenharam nos sertões para caçar índios. Nas terras de Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás, descobriram ouro e diamantes – mas Portugal manteve essa riqueza longe de São Paulo. Na virada do século 18, os paulistas continuavam na estrada, agora abastecendo de carne do sul as regiões mineradoras e o Rio de Janeiro, sede do vice-reinado desde 1763.

Os tropeiros paulistas usavam chapéus de feltro, de cor cinza e abas largas, presas à copa por cordéis. O casaco e as calças eram de algodão escuro. Botas folgadas de couro cru, tingidas de preto, ficavam seguras abaixo do joelho por correia e fivela. Os homens traziam na cintura ou no cano da bota uma faca comprida, de cabo prateado, que servia de arma de defesa ou de talher nas refeições. Nas viagens pelo interior, a cavalo ou em comboios de mulas, protegiam-se do frio e da chuva usando poncho azul, comprido e amplo, com abertura por onde enfiavam a cabeça. A peça era tão comum em São Paulo que durante muito tempo foi chamada de “paulista”, até cair em desuso pelo desaparecimento das tropas, passando então a ser considerada como típica do gaúcho no Rio Grande do Sul.

Quem ficava na cidade enquanto os homens iam buscar regiões mais atraentes? “A população feminina sempre foi majoritária”, diz a historiadora Maria Luzia Marcílio, autora de A Cidade de São Paulo: Povoamento e População, trabalho que trouxe à luz o cotidiano da cidade com a análise de registros de cartórios e paróquias entre os anos de 1750 e 1850. Graças a esse levantamento, sabe-se, por exemplo, que 25% dos filhos de mulheres livres eram ilegítimos. Ou que os nomes mais populares na cidade eram as múltiplas variações de Maria e José, o que denota a forte religiosidade de um povo que não seguia à risca os mandamentos da Igreja.
Maria Luzia revelou que uma São Paulo mestiça, iletrada e fortemente rural. A maior parte da população ainda era fruto da miscigenação de índias com os primeiros portugueses que lá chegaram, sem família, ainda no século 16. São Paulo era subordinada ao Rio de Janeiro até 1765 – ano e que a coroa decidiu que a capitania era estratégica demais para ficar abandonada e lhe designou um governador.

A cidade está na junção de vários terrenos de relevo suave, irradiando caminhos naturais para o sul, para a região das minas, para Goiás e para o litoral fluminense, de onde se prossegue rumo ao nordeste – esses caminhos já estavam suficientemente pisados pelos índios quando o primeiro europeu chegou. Correndo para o noroeste, o rio Tietê deságua no rio Paraná – que se abre em um mar de água doce no rio da Prata, o epicentro das disputas territoriais entre Portugal e Espanha na época.

O nobilíssimo dom Luís de Souza Botelho Mourão, primeiro governador de São Paulo, chegou a nova morada pelo mais difícil de todos os caminhos: a serra do Mar, elevação abrupta e obrigatória para quem se aproximava da cidade via Santos. Nas palavras de José de Anchieta, co-fundador do colégio jesuíta em 1554, “o pior [caminho] que há no mundo”. Mourão subiu a mesma trilha de Anchieta, mas certamente não de andar “de gatinhas” como o beato. Qualquer pessoa de posses dispunha de índios ou negros para carrega-la.

No alto da serra, Mourão prosseguiu de barco por córregos e rios até atracar em São Paulo. (Sim, havia portos em São Paulo. O principal ficava no curso do rio Tamanduateí, na região onde atualmente está o cruzamento da rua 25 de Março com a ladeira que até hoje guarda o nome de Porto Geral). Morro acima, não havia mais o colégio que deu origem à cidade: com os jesuítas expulsos por ordem do marquês de Pombal, no lugar foi erguido um palácio para acolher o governador (em 1954, esse palácio seria demolido para a construção de uma réplica do prédio dos padres).

O palácio dos governadores, assim como quase tudo que existia em São Paulo naqueles tempos, se encarapitava em um morro cercado de várzeas e brejos. As ruas não tinham calçamento até fins do século 18 e as construções, por falta de pedras e de dinheiro para traze-las de longe, eram de pau-a-pique. O primeiro chafariz foi inaugurado em 1791. e dos dejetos cada um se livrava como podia – não à toa, uma placa numa viela ao lado do atual Pátio do Colégio indica que ali era o beco da Merda. O comércio de itens como farinha, feijão, carne de porco, galinhas vivas e fumo se dava nas rua das Casinhas, atual rua do Tesouro, em meio a mulas, cavalos e muito lixo. E, quando o sol se punha, a cidade era tomada por prostitutas. Segundo o relato, do início do século 19, do botânico francês Auguste de Saint-Hilaire, havia opção de mulheres “de todas as raça”."

fonte: Revista Superinteressante, edição 251 - Abril / 2008
Texto Laurentino Gomes e Marcos Nogueira

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